quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Ressaca.

"Felicidade só é verdade quando compartilhada", Christopher McCandless.

Você é livre para abrir a porta, sair de casa e caminhar pelas ruas. É olhar para o céu, para a rua, para o mar, para o outro e para onde quiser. Liberdade é vestir a roupa que quiser, mesmo fazendo uma combinação esdruxula, e sair para a rua. Ou nem vestir, deixar-se nu a caminhar pelos cantos revestidos de vazio das paredes de casa.

Mas isso não é nada.

Você pode largar tudo, correr o mundo e esquecer o que deixou para trás. Passado é passado. Futuro caminha a passos largos, esperando ser alcançado. Pode ser feliz sem contar para ninguém ou fingir que é feliz escondido em cantos obscuros do mundo. Felicidade não anda sozinha, e quando anda, é uma mentira tão mal contada que faz tremer pestanas de tanta falsidade.

Felicidade não existe sozinha.

Então é isso mesmo que estou dizendo. Você, no meio dessa ideologia barata e terrivelmente formulada de que é o bastante em si mesmo, sofre as escondidas como um cão perdido em uma intensa chuva de relâmpagos. Quase um gato, fazendo-se de difícil e estampando sua personalidade altamente Housitana de antissocialismo precário.

Felicidade não é suficiente em si.

Pode se espremer contra a parede. Sei que é complicado abraçar a verdade, mas ela está ai. Enquanto senta em sua poltrona puída, tomando café gasto da semana com adoçante, refletindo sobre seu superego exacerbado, suando a própria prepotência e cultivando uma fenocópia de felicidade num vaso qualquer largado na janela, a felicidade corre lá fora. Liberta de você.

Seja lá o que for, não é o que tem ai.

Ou o que tenho aqui.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Linha amarela

Com trilha, a quem interessar desabafos descompensados: Hearts a Mess - Gotye.

Moment of honesty, someone's gotta take the lead tonight.
Whose it gonna be? I'm gonna sit right here,
And tell you all that comes to me
If you have something to say, You should say it right now.
Hoje o dia está latente. O silêncio que o consome bate em todas as paredes, nos móveis, na porta e converge em um grito de surdez que surra meus ouvidos. A cada momento as marcas do espancamento se evidenciam em meu rosto, tudo para não me deixar esquecer e deixar claro, sempre que pousar meus olhos sobre o espelho, que nada está em seu devido lugar.

Eu que andei sempre de braços dados com a solidão, agora a estranho. Parece que a proximidade nos distanciou, como uma leve névoa que tomou espaço, fechou o tempo e acabou com a proximidade. Assim como aconteceu conosco. Você, eu. Nós. Você, neblina, eu. Sós. Como se nada no mundo conseguisse me fazer te enxergar direito, do jeito que via antes.  

Não posso mais perder tempo refazendo cálculos que me impediram de prever a mudança no clima. Nenhum dos números estava errado, nem os meus ou os seus. Era a conta matemática perfeita, a promessa de sol para o resto dos dias. Tenho certeza disso porque o estoque de roupas de verão continua guardado em meu armário, perfeitamente passado e engomado. Você também deve ter algumas coisas guardadas por ai.

O erro não foi meu. Não foi seu. Não foi do universo, nem do cosmos, nem dos seus ou dos meus amigos. Foi só uma precipitação. Sua e minha. Antes de guardarmos a roupa, limpamos o armário com aquele produto que tínhamos guardado para quando a estação certa chegasse. Pelo menos eu o usei. Aquele que experimentamos em outros tempos e aperfeiçoamos de acordo com o que achamos melhor. O meu tinha cheiro de novo, poesia, cinema, inconstância, seriedade, amor, amor de Pessoa, de Moraes, de Buarque e uma leve dose de idealismo. O seu cheirava mais a necessidade, pressa, humor, sexo, leveza, grude, conversa, conhecimento, sobra e contentamento. E ai que nós guardamos as roupas nesse armário, elas  impregnaram com o cheiro e, quando chegamos perto, o  seu odor misturado com o meu não resulta em uma mistura homogênea, gostosa... Resulta em nulidade. O meu anula o seu e vice versa.

Agora posso enxergar com mais clareza que nos jogamos em um poço escuro, acreditando que o sol nasceria e os raios iluminariam lá no fundo, permitindo que nos enxergássemos. E o cheiro não seria importante. Poderíamos ver e assim buscar o cheiro chamante pelos olhos, negligenciando o que nos afastava. Fugimos da verdade. Fugimos de tudo.

Só que a venda que o amor usou para cobrir nossos olhos não durou muito tempo, era fina. Seda pura, transparente. Precisa ser cuidada com uma delicadeza que não possuímos. Nós a rasgamos e nem percebemos. Abandonamos pelo caminho, denunciando nossa irresponsabilidade, e corremos direto para o poço. Corríamos tanto que não quisemos parar para entender o que havia caído por terra. Não paramos para descobrir se sobreviveríamos ao que perdemos.

Então, sem a venda, sobrou o amor. A neblina. A neblina dentro do poço, sem sol, sem verão, sem cheiro e sem visão. Sem você, eu. Sem nós. Sós. O amor ainda como companhia, mas eu com o meu e você com o seu. Tomando o espaço em mim que estava reservado para você e ocupando o meu espaço ai.

Não foi por falta de avisos. Talvez as desconfianças do passado, as negações e os medos fossem um aviso de que o mundo tentava nos avisar que a venda caíra e nós corríamos para um buraco escuro que abreviaria nosso verão. E se você tivesse acreditado - a ponto de desistir - nas mentiras, será que estaríamos no buraco agora?

Precisamos justificar o que temos agora, depois do silêncio. O metrô. Eu em uma plataforma, você na outra. A linha amarela guarda minha precaução de me manter perto, seguramente protegida por um pequeno espaço da plataforma. Vejo você do outro lado, sorrindo, chamando. O trem se aproxima. Nele você se vai. Não tenho tempo para correr pelo espaço que nos separa. Inevitavelmente serei atingida. Você ainda sorri, e tenho certeza que sabe que não posso escapar sem me perder um pouco no caminho. Os vagões somam minhas concessões passadas, meus sacrifícios. Como se estivesse prestes a morrer por meus próprios atos. Você sabe. Sorri. Conto os passos. Os mesmos passos que me separam dai, te separam daqui. Se correr, é você quem se perderá um pouco no caminho.

Podemos nos encontrar no meio do caminho, mas não confio que, se pular, correrá ao meu encontro. Pedirá para que eu vá até o fim, como sempre fez. Que é mais cinco passos para quem já está no meio, não é?

Dessa vez aguardarei atrás da linha. Aguardarei o silêncio. Aguardarei os dias.

Até que algum de nós perceba que o amor que nos uniu é a mesma linha amarela que nos separa.

Ps.: If you ask me I'm ready.