Vez ou outra o mar está para peixe, vez ou outra para
Iemanjá, vez ou outra para marinheiro, vez ou outra para a calmaria. Ah, a
calmaria. Já ouvi de tantos marinheiros que ela existe e se esconde nos buracos
mais ínfimos do mundo, procurando a hora certa de aparecer. Ouvi que ela espera
a hora em que ninguém está olhando e passa horas fumando enquanto conversa com a
lua. Confesso que essa história é pura conversa de pescador em minha
consciência nebulosa.
Passamos tempo demais distribuindo sorrisos amarelos para
falsas calmarias que a vida mesquinhamente nos oferece. Mal nos conhecemos e
sorrimos feito tolos para qualquer migalha de afeto que cruze nosso caminho
tortuoso. Posso dizer que passei tempo demais tendo uma inconsciência velada
sobre mim, gastando vida ao léu e distribuindo ventos de imoralidade depressiva
pelo mundo. Sabe lá quantas calmarias eu não atrapalhei durante esse tempo
todo.
Eu nunca faltei em nada. Para falar a verdade, sobrei muito
antes de qualquer coisa. Sobrei no pão do café, na usina, no couro, no poste,
na rua, na lua e no sabão. Acho que se procurar com carinho, é capaz que me
encontre em alguns desses lugares, quase em pó. Sublimada.
Há pouco conheci a Calmaria pessoalmente. Ela fumava preguiçosamente
um charuto cubano, lia Dostoiévski e deixava o café esfriar no vento do
litoral. Tivemos uma conversa breve, inconstante, sobre coisa nenhuma e todas
as coisas. Disse que eu deveria parar de esperar por ela, que estava de malas
prontas para Urano porque conhecera uma prostituta e estava perdidamente
apaixonada por ela. Cabe que o nome da meretriz é Existência.
Calmaria e Existência vivem hoje em sua inconstância. De
equilíbrio essa relação nunca gozou, pelo menos não esse equilíbrio paciente pelo
qual tanto esperamos. Essa história de que um dia a calmaria chega é pura
balela. Sei disso porque a Calmaria me manda um postal de Urano todo fim de
mês. Diz que ‘tá bem, que a Existência não perdeu as habilidades de puta e que
está grávida de uma menina.
Uma menina chamada Vida.