quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Reciclagem.

a vida é um amontoado de indecisões, previsões, horóscopos e chabadás. a gente passa uma eternidade vendo o universo sambar no caminho que tanto tentamos colocar em ordem. suamos um bocado de açúcar e melancolia tentando fazer as linhas mal escritas do destino terem algum sentido e ainda adicionamos um suave toque de bossa nova, em volume de elevador, para aclimatar o pouco caso com que o cosmos trata nossas vivencias.
somos uma espécie de papel.
papel que molha e seca. molha uma vez e perde a característica lisa, da outra a maciez, da outra a cor alva e intocada... ganhamos um traço de textura a cada chuva. e secamos. e molhamos. e secamos. e molhamos. um ciclo que nova e renova na terra.
matéria orgânica que, depois de desgastar sua última parte, renasce do pó molhado.

e vive de novo.

domingo, 26 de outubro de 2014

Voyeurismo.

uma porta fechada. uma sala sem ar. doze marcas. quatro tentativas fúteis e voláteis de fuga para a terra de ninguém, onde a única lei é não obedecer à lei nenhuma. a preguiça arraigada de lutar contra a própria consciência sobre a inevitável vontade de simplesmente abrir mão da razão e gozar da infinita prontidão a qual o corpo se dispõe. o sentido de errado se dissolve numa estúpida e excitada condição de permissão. é proibido proibir na terra de ninguém. na terra de ninguém os corpos devem ser habitados por fora, por dentro, por outro. as normas casuais de moralidade sopram longínquas, quase emudecidas por um suspiro incontido, sem se fazerem realmente relevantes. é uma luta perdida, meu bem. quase posso sentir Bukowski batendo em meu ombro, com seu cheiro de cigarro e champanhe baratos, dizendo ‘essa porra já está gozada, querida. não se sinta culpada por foder o que sempre esteve fodido’. a porta continua fechada. a sala continua sem ar. eu continuo perdida nas leis que outras pessoas inventaram e ferindo meu princípio desapegado de viver. então vamos às cartas, já que é para manter a ordem da (in)justiça...

quem fez as regras mesmo?  é tarde para recorrer?

domingo, 19 de outubro de 2014

Au revoir!

vamos (as)sumir com essa porra toda? desce a tequila, meu bem. estamos de partida.

Plenitude incompleta.

Vez ou outra o mar está para peixe, vez ou outra para Iemanjá, vez ou outra para marinheiro, vez ou outra para a calmaria. Ah, a calmaria. Já ouvi de tantos marinheiros que ela existe e se esconde nos buracos mais ínfimos do mundo, procurando a hora certa de aparecer. Ouvi que ela espera a hora em que ninguém está olhando e passa horas fumando enquanto conversa com a lua. Confesso que essa história é pura conversa de pescador em minha consciência nebulosa.
Passamos tempo demais distribuindo sorrisos amarelos para falsas calmarias que a vida mesquinhamente nos oferece. Mal nos conhecemos e sorrimos feito tolos para qualquer migalha de afeto que cruze nosso caminho tortuoso. Posso dizer que passei tempo demais tendo uma inconsciência velada sobre mim, gastando vida ao léu e distribuindo ventos de imoralidade depressiva pelo mundo. Sabe lá quantas calmarias eu não atrapalhei durante esse tempo todo.
Eu nunca faltei em nada. Para falar a verdade, sobrei muito antes de qualquer coisa. Sobrei no pão do café, na usina, no couro, no poste, na rua, na lua e no sabão. Acho que se procurar com carinho, é capaz que me encontre em alguns desses lugares, quase em pó. Sublimada.
Há pouco conheci a Calmaria pessoalmente. Ela fumava preguiçosamente um charuto cubano, lia Dostoiévski e deixava o café esfriar no vento do litoral. Tivemos uma conversa breve, inconstante, sobre coisa nenhuma e todas as coisas. Disse que eu deveria parar de esperar por ela, que estava de malas prontas para Urano porque conhecera uma prostituta e estava perdidamente apaixonada por ela. Cabe que o nome da meretriz é Existência.
Calmaria e Existência vivem hoje em sua inconstância. De equilíbrio essa relação nunca gozou, pelo menos não esse equilíbrio paciente pelo qual tanto esperamos. Essa história de que um dia a calmaria chega é pura balela. Sei disso porque a Calmaria me manda um postal de Urano todo fim de mês. Diz que ‘tá bem, que a Existência não perdeu as habilidades de puta e que está grávida de uma menina.
Uma menina chamada Vida.