domingo, 19 de outubro de 2014

Plenitude incompleta.

Vez ou outra o mar está para peixe, vez ou outra para Iemanjá, vez ou outra para marinheiro, vez ou outra para a calmaria. Ah, a calmaria. Já ouvi de tantos marinheiros que ela existe e se esconde nos buracos mais ínfimos do mundo, procurando a hora certa de aparecer. Ouvi que ela espera a hora em que ninguém está olhando e passa horas fumando enquanto conversa com a lua. Confesso que essa história é pura conversa de pescador em minha consciência nebulosa.
Passamos tempo demais distribuindo sorrisos amarelos para falsas calmarias que a vida mesquinhamente nos oferece. Mal nos conhecemos e sorrimos feito tolos para qualquer migalha de afeto que cruze nosso caminho tortuoso. Posso dizer que passei tempo demais tendo uma inconsciência velada sobre mim, gastando vida ao léu e distribuindo ventos de imoralidade depressiva pelo mundo. Sabe lá quantas calmarias eu não atrapalhei durante esse tempo todo.
Eu nunca faltei em nada. Para falar a verdade, sobrei muito antes de qualquer coisa. Sobrei no pão do café, na usina, no couro, no poste, na rua, na lua e no sabão. Acho que se procurar com carinho, é capaz que me encontre em alguns desses lugares, quase em pó. Sublimada.
Há pouco conheci a Calmaria pessoalmente. Ela fumava preguiçosamente um charuto cubano, lia Dostoiévski e deixava o café esfriar no vento do litoral. Tivemos uma conversa breve, inconstante, sobre coisa nenhuma e todas as coisas. Disse que eu deveria parar de esperar por ela, que estava de malas prontas para Urano porque conhecera uma prostituta e estava perdidamente apaixonada por ela. Cabe que o nome da meretriz é Existência.
Calmaria e Existência vivem hoje em sua inconstância. De equilíbrio essa relação nunca gozou, pelo menos não esse equilíbrio paciente pelo qual tanto esperamos. Essa história de que um dia a calmaria chega é pura balela. Sei disso porque a Calmaria me manda um postal de Urano todo fim de mês. Diz que ‘tá bem, que a Existência não perdeu as habilidades de puta e que está grávida de uma menina.
Uma menina chamada Vida. 

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